15 julho 2009

Para ver mais longe do que a crise

D. Manuel Felício e a nova Encíclica do Papa Bento XVI

Depois de uma encíclica sobre Deus – “Deus Caritas est” (2005) e outra sobre a Esperança que deve animar todos os construtores da História – “Spe salvi” (2007), o Papa Bento XVI acaba de publicar, com data de 29 de Junho e apresentação pública de 7 de Julho, a sua terceira encíclica, esta sobre a questão social (“Caritas in veritate”).
Aparece esta carta papal num momento de crise generalizada em todo o mundo – crise financeira, crise económica, mas sobretudo crise de valores e de sentido para a vida das pessoas individualmente consideradas e também no tecido das suas relações sociais.
Mas a crise também pode ser oportunidade e nós já nos habituámos a ouvir muitos actores da nossa sociedade, principalmente os fazedores de opinião, a dizer que, depois desta crise, nada ficará igual, que o desenvolvimento baseado no puro consumismo não é sustentável e, portanto, não tem futuro, que as pessoas têm de se converter a novos hábitos de vida, sobretudo quanto à utilização dos recursos oferecidos pela natureza que não são inesgotáveis.
A nova encíclica, nos seus 79 números, sugere caminhos alternativos para o percurso das pessoas e das sociedades em direcção a uma nova ordem social.
De entre eles sublinho dois que, se forem levados a sério, abrem portas ao novo futuro que todos desejamos.
Primeiro deles: não é qualquer desenvolvimento ou o desenvolvimento pago a qualquer preço que nos interessa. Só nos interessa o desenvolvimento humano integral. E este é caracterizado na encíclica como sendo uma vocação para o progresso que leva as pessoas a realizar, conhecer e possuir mais para serem mais (ver nº 18). Por sua vez, para o subdesenvolvimento, que infelizmente continua a afectar grande número de pessoas e povos, é apontada uma causa endémica. Essa causa é a falta de fraternidade entre as pessoas e os povos (ver nº19).
Ora, os modelos de criação e distribuição de riqueza que temos e, em particular, o fenómeno mais recente da globalização, entregues a si mesmos e sem qualquer regulação, provaram já que não são capazes de promover a fraternidade, antes, pelo contrário, têm gerado cada vez mais desigualdades e maior afastamento das pessoas e grupos de pessoas entre si.
A encíclica conclui que a vocação à fraternidade vem de Deus e só Ele a pode levar ao seu pleno cumprimento. Portanto, desenvolvimento integral sem Deus é impensável.
Segundo: Os mercados financeiros e outros não podem continuar sem regulação, como tem acontecido até agora, única e simplesmente entregues à sua lógica interna, que já provou ser geradora de muita perversidade. Lembra a encíclica que é preciso introduzir ética nos mercados e é preciso também criar uma autoridade internacional competente e com meios para exercer a sua necessária função reguladora. Fala mesmo na necessidade de ser criada uma autoridade política mundial (ver nº42).
Esta e outras medidas estão a ser exigidas como resposta à crise, mas principalmente para inaugurar uma nova ordem mundial que promova a autêntica humanização da sociedade.
Chega a encíclica do Papa numa hora crucial para a Humanidade, uma hora em que a “a crise nos obriga a projectar de novo o nosso caminho, a impor-nos regras novas e a encontrar novas formas de empenhamento, a apostar em experiências positivas e a rejeitar as negativas” (nº21).
Os critérios e as sugestões nela apontados são contributo decisivo não só para superar a crise, mas sobretudo para ajudar a cumprir a utopia de modelos de sociedade alternativos àquele em que vivemos e que nos foi apresentado como promessa de resposta para todos os anseios humanos e solução para todos os problemas.
Mas, de facto, a promessa não se cumpriu.

+Manuel Felício, Bispo da Guarda

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